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sábado, 31 de dezembro de 2011

Duas horas para trocar uma lâmpada





Nunca fugi de um desafio, por maior que fosse, muito menos dos pequenos do dia-a-dia.

Ainda criança, sempre me interessei pela iluminação elétrica, já que conheci (e até muito bem) o lampião de querozene, cuja fuligem escura tingia minhas narinas infantis.

A casa em que fui criado foi, antes de ser a morada de meus pais, um celeiro de milho da fazenda de meus avós, hoje não mais existentes, pois devidamente integrada a sua terra na área urbana.

Ao se casar a minha mãe, presenteou-a a minha avó, com a divisão daquele celeiro em quatro partes, abrindo-se-lhe janelas e portas, transformando-o numa casa de dois quartos, sala e cozinha.

Esses cômodos tinham pendentes de lâmpadas, pois o pé direito era bem alto e a instalação, daqueles tempos, partia de uma peça de encaixe de cerâmica, onde os fusíveis eram pedaços de fios, habilmente colocados e que se queimavam em casos de curtos-circuitos ou alteração das tensões.

Minha mãe não tinha habilidade para trocá-los, ao passo que minha curiosidade me transformou num expert. Não me lembro de quantas vezes levei choques elétricos leves nas minhas incursões pela eletricidade. A verdade é que nem mesmo sabia a diferença entre fuzil e fusível e já era eu quem trocava os fusíveis lá de casa.

Mas isso foi há muitos anos, mais de sessenta.

Ontem, porém, notei que uma das lâmpadas daqui de meu apartamento, estava queimada e dispus-me a trocá-la, o que me parecia uma simples ação de desatarraxar e atarraxar uma moderna lâmpada fria, de formado espiral, luz branca, no interior de um lustre de um ventilador de teto.

Fui ao mercado e comprei a lâmpada. Por volta de onze horas.

Copacabana, sempre linda, pululava de gente de todos os cantos do planeta.  Acho que até alguns E.T.’s vieram ver a queima de fogos do réveillon de 2012.

Ao subir na escada, constatei que havia uma diferença entre a lâmpada comprada e a que deveria ser substituída, o que não me pareceu um grande problema, pois colocaria nova na área de serviço e a que lá estava, igual à antiga, seria acoplada no local da queimada.

Feito isso, tudo bem, o ventilador girou, o lustre acendeu com suas lâmpadas e eu já considerava a tarefa cumprida quando verifiquei não não colocara a lâmpada nova na área.

Lá fui eu e, com o que eu pensava ser maestria, coloquei a lâmpada no lugar e “plic-plic” não acendeu.

Subi de novo a escada, atarraxei um pouco mais e, nada.

Tirei a lâmpada, coloquei de novo, desci a escava e, nada.

Na terceira tentativa, o bocal interno, aquela pecinha de latão ou cobre, veio junto com a lâmpada.

Fui à loja, comprei uma peça inteira nova e, após desligar a corrente elétrica no disjuntor de entrada (lembrando-me dos choques tomados na infância), cuidei de substituir o plafonier.

Tudo pronto, coloquei a lâmpada e, mais uma vez, não acendeu.

Tentei e, ao forçar um pouco mais, quebrei o bocal novo.

Sem desespero, desci da escada e fui, de novo, à loja de material elétrico, comprar outra peça.

Respirei fundo e fiz tudo de novo.

Cuidei dos mínimos detalhes, utilizando um ferramental certo, chaves corretas, alicates perfeitos e já estava me considerando um verdadeiro eletricista quando caiu de minha mão o pequeno parafuso que sustentava o bocal.

Desci e subi a escada, pela enésima vez, notei que minha camisa estava molhada de suor, meu pescoço doía de tanto olhar para cima, peguei o parafuso, coloquei-o, coloquei a lâmpada e, após ligar o disjuntor na caixa de entrada, a luz se fez, enfim.

Olhei para o sol de Copacabana, olhei para o relógio.

Passava das treze horas.

Demorei duas horas para trocar uma lâmpada, pô!



Romeu Oliveira Gurgel,

Copacabana, 31 de janeiro de 2011)

sábado, 22 de outubro de 2011

Alô, é de Itabirito, hoje é 5 de abril de 1954 ..



Há pouco tempo, deixava Copacabana para o Fórum da Comarca desta Capital do Rio de Janeiro, quando meu celular tocou e escutei uma voz conhecida.

- Dr. Romeu, é o Joel Santana, preciso de falar com você.
- Pois não, meu técnico de futebol preferido, quer que passe pela sua casa mais tarde?
- Não, Dr. Romeu, eu estou na Islândia, pois estamos competindo aqui.  O Bafana Bafana vai jogar amanhã...

Minha surpresa foi porque o som era da mais pura clareza, parecia que meu amigo estava aqui mesmo, no Rio. Procurei saber onde ficava a Islândia e descobri que era no topo do mundo, quase no Pólo Norte.

Viajei pelo tempo e pelo espaço e voltei à Itabirito da década de 50 e lembrei das minhas experiências telefônicas de então.   A nossa querida cidade tinha o total de 99 números de telefone, incluindo-se os de serviço.  O Banco da Lavoura era número 12 e para chamar a telefonista para pedir uma ligação era 01. Falar de número para número já era possível, de forma que se podia ligar para o Hospital São Vicente de Paula, ligando 11, número que o querido Beijinho dizia que era para facilitar aos doentes, bastava gemer ummmm, ummm e a ligação se faria.

Pois naquela época as vozes da gente viajavam através de cabos que eram estendidos de Itabirito a Belo Horizonte, pelas montanhas afora e, de lá até as outras cidades, como o Rio de Janeiro.  Na linguagem das telefonistas de então (saudades da Nega, da Maria, da Iara...) era preciso ter “par” disponível para se completar uma ligação.  Vale dizer que par era de fios, de cabos, ou seja, precisava que dois fios fossem ocupados pelos impulsos elétricos de Itabirito, fossem conectados com dois outros em Belo Horizonte que seguiam até o Rio.  Deu para entender?

Eu chegava no Banco bem cedinho, entrava pela porta principal de acesso, utilizando da chave que pegava com o Arthur Vivas, no apartamento em cima da Agência.  Quase sempre ele acordava quando eu tocava a campainha, pois passava pouco das seis da manhã.

Ele me dizia para pedir uma ligação para o Rio de Janeiro, pois havia que transmitir uma ordem de pagamento da Usina Queiroz Júnior...

- Alô, Nega?  Bom dia, é o Romeu do Banco da Lavoura, você pode pedir uma linha para o Rio de Janeiro?

Dava o número e perguntava a demora.  A resposta era de três a quatro horas, pois não havia “par” disponível.

Muitas vezes, o expediente do Banco terminava e lá pelas dezoito horas é que se completava a ligação telefônica, quando se transmitia a ordem de pagamento. Bem diferente da telefonia celular de hoje e dos saques direto via Internet, de hoje.
 
Fico a meditar, nas minhas imitações de Carlos Drumond de Andrade, sentado na beira da Praia, nos bancos de pedra da Avenida Atlântica que tenho que contar isso para meus netos, para que eles contem para os netos deles.

Era uma vez, naquele tempo, quando o vovô tinha 14 anos, a gente demorava para falar com uma pessoa, ao telefone, oito, nove e até doze horas (diga-se de passagem que, mesmo naquele tempo, com os quase seiscentos quilômetros através da BR-3 e as pistas de mão e contra-mão, sobremodo nas imediações sinuosas de Petrópolis, conseguia-se chegar a Itabirito, de carro, em cerca de oito horas).

- Alô, é da Filial do Rio?  Aqui é da Agência de Itabirito, quero transmitir uma ordem de pagamento, hoje é 5 de abril de 1954...

(Romeu Oliveira Gurgel,
Copacabana, 22 de outubro de 2011.)

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

GOSTARIA DE SABER

A curiosidade está intimamente ligada aos descobrimentos e a ânsia de saber faz parte da vontade humana. Muitos são os casos sobre a matéria. Há até a chamada idade dos por quê, quando as crianças perguntam mil coisas ou o porquê de mil coisas.

Meu filho mais velho já passa dos quarenta anos, mas não consigo me esquecer daquele dia, quando ele tinha cinco anos apenas, que o encontrei pensativo, ao chegar à minha casa, depois do dia de trabalho.

Sem qualquer preâmbulo, quando me viu, perguntou:

- O que é estratosfera?

Confesso que me preocupei, a princípio, com o inusitado da pergunta, vinda de quem assistia desenhos e o Sítio do Pica pau Amarelo na televisão.

Será que meu primogênito viria a ser um novo Einstein? Por que se preocupava com a estratosfera?

Felizmente, não era nada disso que o pai coruja pensava.

Simplesmente queria saber por onde andou o Super Homem quando cruzou a estratosfera.

Tentei explicar, mas ele logo passou para outro assunto, para minha alegria.

Continuou, contudo, curioso e estudioso, galgando elevadas posições sociais e laborativas.

Foi assim que, antes do advento do e-mail, passou-me um fax por volta de meia noite com dezenas de páginas e discutimos até altas horas os termos jurídicos de um contrato que firmaria no dia seguinte com grupo de empresários estrangeiro.

Hoje, gostaria que essa curiosidade fosse de todos os estudantes de direito, sobretudo quando vi uma resposta de um desses alunos, ao definir incontinência como “uma certa doença urinária”.

(R.G. 13.10.2011)



segunda-feira, 3 de outubro de 2011

GURGEL - nossa geneologia

Toussaint Gurgel, navegador francês, veio em expedição até Cabo Frio, por volta de 1.570 e foi aprisionado pelos portugueses que guerreavam por conquistar Cabo Frio.


No seu interrogatório, Toussaint diz que nasceu em 1.546 na Alsácia, filho de mãe francesa e pai alemão da Baviera, tendo estudado no Liceu de Strasburg. Cursou Ciências Náuticas em Saint Maio e partiu em expedição ao Brasil, a partir de Havre de Grace.


Tornou-se amigo de seu algoz, o Comandante João Pereira de Souza Botafogo (o mesmo que deu nome à enseada e bairro famosos do Rio de Janeiro) e casou-se com Domingas de Arão do Amaral em 1.606. Foi apadrinhado pelo Comandante Botafogo, em seu casamento e acabou enriquecendo com a pesca da baleia na Baía da Guanabara.


Teve seis filhas e um único varão (que se tornou padre).


Faleceu aos 83 anos, quando morava na Rua Aleixo Manoel, atual Rua do Ouvidor, no movimentado centro do Rio de Janeiro.


Todos os Amaral Gurgel, Gurgel do Amaral ou simplesmente Gurgel, aqui no Brasil, descendem desta união.


(Condensado de diversas fontes)

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

MIASÓ, RO IME.

 
MARIA JOSÉ
Vejo no facebook a notícia de que faleceu, ontem,  Maria José Michel Nascimento, “madrinha de carregar” do José Antônio Braga.

Remonto a uma noite triste, quando o Professor Alcides Rodrigues Pereira, Diretor do Educandário São Geraldo, após chamar à sua sala a minha querida Maria José Michel, adendrou a classe e informou: - “Está suspensa a aula, o Sr. Henrique Michel foi morto.” Mais tarde soubemos que fora  assassinado pelo seu sobrinho, Clóvis.

Levantei-me, com pressa e fui ao encontro de Maisé, forma carinhosa como a tratava, e, com ela aos prantos, acompanhei-a pela ladeira da Delegacia de Polícia, em direção à sua casa. Já no topo da ladeira, vinha Tarcísio Nascimento, também meu amigo e seu noivo, que a amparou e levou para juntar-se à Dona Lenira Borges Diniz Michel, sua genitora.

Ela o amava muito e eu disso sabia, pelas suas confidências.

Sempre a estimei e, por respeito e lealdade, jamais disputei com ele o eterno amor que sempre dediquei à Maisé, nunca declarado.

Certa feita, cheguei a postar-lhe uma carta que retirei do correio antes que fosse entregue. Havia um código de troca de letras que usávamos (ZENIT X POLAR), pelo qual essas dez letras eram trocadas entre si, mantidas as demais, para confundir a leitura dos perplexos professores quanto aos estranhos textos. Muitas vezes escrevi: “Miasó, ro ime!”

Nos dias que se seguiram, publiquei minha última homenagem ao Senhor Henrique Michel, no jornal “O Itabirito”, onde assinava R.G. nas crônicas sociais (número 79, 1º de outubro de 1959), que transcrevo:

“De luto “O Itabirito Social”

Henrique Michel

Ele veio como uma manhã de sol!  ...

E, como o sol fulgente das manhãs bonitas, iluminou, com seu sorriso franco de homem bom, com seu olhar firme, sincero e acolhedor, todos aqueles que tiveram a ventura de encontrá-lo.

Espalhou, na terra que o recebeu, fulgurantes raios de bondade, de filantropia, de generosidade, de compreensão, de ternura!

Ajudou a florescer nos jardins da existência de todos que o conheceram, mais encantamento, mais luz, mais vida.

Inabalável como o Rei dos Astros, tornou inquebrantáveis seus ideais, eterna sua crença, exemplar sua passagem pelo mundo terreno.

Solidificou-se e enraizou-se por entre aqueles que dele se achegaram e se lhe tornaram amigos, na convicção da união de forças, para a consecução do bem da humanidade que sentia junto de si, no dever de salvaguardá-la dos reveses da sorte.

Para ele, porém, não eram suficientes estes dons.

Foi além: pai extremoso e amigo em todas as ocasiões, esposo fiel, filho dedicado...

Mas ... como as manhãs de sol, também se foi, no entardecer, a sumir por ente montanhas que galgara no cumprimento de seus deveres, na realização de seus sonhos.

A todos cobriu com o manto da solidariedade humana.

Coberto, foi,  de flores, de milhões de pétalas que, somadas, não perfazem um fragmento sequer dos benefícios que praticou.

As lágrimas de adeus são a certeza da eternidade, o consolo para os seus.

Sua firmeza de caráter deixa-lhes o modo do bom viver no provir, em honra de sua memória, de seu nome.

Choramos sua partida!

Consolamo-nos com a certeza de sua felicidade eterna, que mereceu à custa de dores e sacrifícios.

Ele veio como uma manhã de sol! ... e, como uma manhã de sol, partiu, para, soberano como o grande astro, tomar assento no trono de luz que, para ele, se ergueu na vida de por todos os séculos, a lado de Deus, Justo e Sapiente!...

(R.G.)”



Hoje, sei que Henrique Michel vai, lá no Céu, anelar os cabelos da sua filha recém chegada por vontade de Deus e que, de lá, por certo, dirá, como sempre me dizia, quando, contínuo do Banco da Lavoura, entregava-lhe avisos e duplicatas:

 - “Oh... “minino” você de novo com suas cartas ... ” (e ria muito).

Desta vez, “Seu” Henrique, a notícia é de que o Senhor, que veio como uma manhã de sol, estará tendo a luz eterna ao lado da muito querida Maria José que iluminou vida e corações e que jamais deixará de ser por nós saudosamente lembrada.

Copacabana, 16 de setembro de 2011.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O DIA-A-DIA NA CIDADE

Levantara mal humorado.
Na véspera, o porteiro do prédio havia avisado, em áspero tom, talvez por já estar cansado de intermináveis explicações:  - “Amanhã só haverá água às onze horas”.
Bolas! Tinha que chegar às oito no escritório.
O bonito sol pareceu-lhe uma ironia da natureza. E o mar – doce mas incompreensível visão – fez-lhe pensar em modernos processos de desalização de suas águas.  E onde anda a ciência que não se preocupa senão com mísseis espaciais?
O exemplar do Petit Prince, jogado como se não fossem tão sábias as lições de Exupéry, lembrou-lhe maldizer vaidosos governantes que se esqueciam de dar-lhe água. Água, sim.  Simples H2O que tanto repetia o professor de química, a mesma água que o exigente mestre de língua pátria não cansava de repetir, frisando “com acento agudo no primeiro “a” ´por causa ... ” não sabia mais de que.
Fez-se à rua.  Jactou-se no primeiro ônibus superlotado que por ele passou e não se conteve em extravasar a ira que lhe invadia o espírito ao tatear a escova de dentes no bolso do paletó.
Com ela, papel amarrotado, era lembrete do recado que lhe transmitira sua esposa, tão meiga (e agora se lembrava, nem a beijara ao sair...)  O papel dizia: “O Sr. Menezes espera-o às oito. Assunto urgente”. Deveria ser sobre a compra do terreno.  Jogou fora o papel.  Afinal, não adiantava mais.  Antes das nove não chegaria, nem se fosse voando. Com o tráfico engarrafado como estava só mesmo avião resolveria.  Como estava longe o escritório.
Mas o aniversário do filhinho estava perto.  Quem sabe se lhe poderia comprar o presente no horário de almoço.  Se fechasse o negócio com o sr. Menezes...
E que semana tivera.  Dois ou três dias viajando.  Depois a doença do irmão.  Ainda bem que fora só o susto.  Já estava bom.  A semana fora perdida, mas hoje... ah... hoje...
O ônibus parou, fim de linha.  Saltou.  Ou melhor, obrigaram-no a saltar. A empurrões.  Pisou no pé da senhora em frente e a reação veio logo.  Como pode, deuses, falar assim uma senhora?  Tropeçou numa desculpa odiosa e insentida e rumou, não se sabe como, para o elevador do prédio da esquina.  Ah... enfim o escritório!
Será que ainda o aguardava o sr. Menezes.  Que lhe diria?  Melhor inventar uma mentira expressiva.  Por exemplo, que furara o pneu do ônibus.  Por que faltara água? Quanto tempo perdido indo à casa do amigo para o banho matinal...
Atravessou, penteando o cabelo e acertando o nó da gravata, o corredor imenso e, fazendo o melhor sorriso, estendeu à secretária o cartão de visita: - “Queira anunciar-me.  Tinha hora marcada para as oito.  Diga ao sr. Menezes que a condução...”
- “Desculpe, cavalheiro. O sr. Menezes só virá depois das onze. Há falta d’água na cidade, o sr. sabe, não é?

Romeu Oliveira Gurgel,
publicado no jornal “O Bancantil”,
ano 6, número 59, de julho e agosto de 1963.

Hoje comemoro seu aniversário, Carlinhos!


José Carlos Barros não era meu irmão de sangue.
Se vivo fosse, estaria aniversariando e, por certo, estaríamos comemorando com a sua bebida predileta, a loura gelada.
Dificilmente alguém poderia ter um irmão como o Carlinhos, com tanta lealdade e tanta verdade.
Os fins de semana, em todos os tempos desde que o conheci, incluía sempre um bate-papo com ele (e algumas cervejas).
Nos finais de tarde, quando estava construindo suas bem elaboradas obras (casas, casinhas e casarões) por perto, era comum eu atender uma ligação telefônica, mais ou menos assim:
- Doutor, daqui a meia hora, estou passando pela sua casa para aquela cervejinha.
Eu era casado com a irmã dele, mas nunca o considerei cunhado.  Sempre foi um irmão, de fato e de direito, para mim. Parece estranho que isso acontecesse, já que é comum a afirmação de que “cunhado não é parente” no sentido jocoso.
Duas histórias fazem clara sua personalidade:

Terminado um contrato de trabalho, com um bom dinheiro no bolso, Carlinhos resolveu viajar para a terra natal, como costumeiramente fazem os meus amigos nordestinos: vão gastar lá, o dinheiro que ganham aqui.
Calculei que despenderia todo seu capital e voltaria sem um níquel. Com tal pensamento, pedi-lhe emprestado uma quarta parte dos seus ganhos, alegando uma pretensa necessidade financeira.
Não titubeou e, no ato, entregou-me o dinheiro que guardei até a sua volta.
Ao chegar, sem um centavo, é claro, muito sem graça, me perguntou se podia arranjar-lhe algum dinheiro, quando lhe devolvi o empréstimo.  Ele, rindo, disse: - Eu sabia que você não precisava, só estava tentando evitar que eu gastasse tudo no nordeste, não é?

De outra feita, no exato dia em que sua irmã me deixou, ele me ligou.
- Doutor, você vai estar em casa à noite?
Era claro que estaria. Fiquei a pensar que ele iria me censurar pela separação ou qual motivo o faria vir me ver após o rompimento do liame familiar.
Chegou perguntando se tinha cerveja, foi ao bar da esquina buscar e pediu-me para passar a noite no quarto de hóspedes, pois tinha que estar muito cedo no trabalho.
Bebemos, conversamos e, enquanto ele não se certificou de que eu estava suportando bem a separação conjugal, não descansou.
Muito tempo mais tarde, confessou-me que temia que eu tomasse alguma atitude impensada atentando, talvez, contra minha própria vida.
Não é este um irmão verdadeiro?
Feliz aniversário, Carlinhos.  Abração, “brother”...

Romeu Oliveira Gurgel,
Copacabana, 19 de agosto de 2011.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Hora e meia ou Dia dos Pais.


Por e-mail, recebo convite para almoçar no Porção Rios, quinta-feira, treze e trinta, para comemorar, por antecipação, o Dia dos Pais. 
Era já entendimento entre meus dois filhos mais velhos, para repetir momento íntimo igualmente realizado no ano passado.
Alegrei-me, aceitei e fiquei antecipadamente feliz, mas ansioso.
Afinal, somos três homens ativos, envolvidos em negócios e ações, trabalhos e viagens, obrigações mil.
Como nossos compromissos são superiores aos nossos prazeres, como nossos deveres são maiores que nossos lazeres, de repente imaginei uma tarde tranqüila, serena, lenta, morna, amena.
Lembrei de manhãs de domingos, quando levava os dois belos meninos inteligentes para jogar naquelas máquinas que antecederem os modernos equipamentos domiciliares e que só existiam em áreas comerciais e que pareciam esses caça-níqueis que a Polícia apreende hoje em dia.
Lembrei –me dos sorvetes, das revistas em quadrinhos, dos parques das praças públicas, dos lanches em “fast-foods” e nos rodízios de massas, de tantos passeios que, no final, deixavam quatro olhinhos cansados, mas brilhosos, como a dizer, vamos continuar, queremos mais.
Recordei-me da disputa pelo lugar ao meu lado, no carro.  Naqueles tempos crianças podiam viajar no banco da frente.  Lembrei-me de que, às vezes, parava o carro mais de uma vez para trocar os lugares, na tentativa de ser democrático, pois, justo, tenho a certeza de que nunca fui.
Para ser justo, seria preciso que abandonasse o volante e abraçasse ambos o tempo todo, repetindo o quando os amava e amo.

Acordei cedo, fui para o escritório, do escritório para a reunião no centro de processamento de dados, dali para o tribunal, do tribunal para o banco e ao conselho de magistratura, atendi várias ligações e, desesperado com o passar das horas, entrei num táxi.
- Estou chegando, filho, que bom que você já está ai.
O abraço aconteceu exatamente às treze e trinta horas e, nem mesmo nos sentávamos, chegou o terceiro membro indispensável ao evento: o trio Gurgel estava em reunião.
Nem cheguei a tomar metade da primeira dose de uísque e já estávamos nos dirigindo para a mesa reservada, no melhor lugar, com a melhor vista, com o melhor atendimento.
Os presentes cuidadosos, o vinho preferido, a cor certa da camisa, o cartão mensageiro, o escapulário para entregar ao Gurgel ausente.
As viagens futuras, as viagens passadas, os negócios, a família.
Nem se falou em futebol, mas em propostas de encontros futuros, quem sabe naquela feijoada beneficente.
O ágape maravilhoso, a sobremesa permissiva e...

O olhar no relógio, o pedido de desculpas, mas o trabalho e os compromissos continuam. Beijos.

Um dos filhos se vai, o outro consola-me oferecendo uma carona e minha imaginação egoísta faz pensar que o encontro se prolongaria.

Na portaria do meu prédio, parada rápida do veículo, a notícia de que não iria subir, o trânsito já estava complicado. Beijos.

No Dias dos Pais, hora e meia de felicidade com meus filhos.
Deus os abençoe.

Romeu Oliveira Gurgel.
Copacabana, 12 de agosto de 2011.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

O advogado, o garçon e a televisão, no dia onze de agosto.


Abri minha agenda e verifiquei que a televisão tem seu dia, juntamente com o advogado e o garçon, neste 11 de agosto.
Buscando a analogia, verifico que ad vocare é chamar para si, o que faz certo que o advogado chama para si a obrigação de resolver ou, pelo menos tentar, o problema de seu constituinte.
Isto é servir.
O garçon serve bebidas e refeições.
Isto é servir.
A televisão “dá de bandeja” as notícias, as diversões, as alegrias e tristezas.
Isto é servir.

Vem o adágio à mente:
“Quem não vive para servir, não serve para viver”.


Análogos, pois, entre si os homenageados do dia.


Agora, vamos a Itabirito, da década de `50, quando eu vivia o prazer e as loucuras do primeiro emprego “com carteira assinada” no então Banco da Lavoura de Minas Gerais, sob a presidência do José Bernardino Alves Júnior e a gerência do inesquecível e inimitável Jorge Morgan da Costa.
O contador era o Artur Vivas e, dentre os demais componentes do grupo de trabalho, figuras notáveis como o Wagner Benício de Gouveia, mais conhecido por BG, o Álvaro, os Professores Aureliano Barros Brandão e José Alves de Moura Sobrinho, o Otávio (Tavinho) Baeta, o Cornélio, o Jairo, os meus muito queridos João de Carvalho Souza e João Carlos da Silva Guimarães, responsáveis pela minha ida para o Banco Mercantil e por ser torcedor do Flamengo, mas isto é outra história.


Os funcionários se reuniam em comemorações, em jantares programados, quase sempre no “Esquina do Chope” que, a meu ver, deveria existir sempre, tanto quanto o “Bar Central” (saudades, muitas).


Eu era o mais novo da turma, com meus quatorze anos e cabelos fartos e encaracolados, dificilmente assentados, à custa de espuma de sabão, o que fez o Cornelio pensar que era “gumex” (ou “gomex”, não me lembro da grafia correta), produto alisador de cabelos. Inventou um apelido para mim que me irritava bastante (Gomeu Gumex).


Fui para o ágape, servidos abundantemente vários pratos, inclusive um apetitoso leitão à puruca.


Minha primeira mancada nesse exigente convívio social se deu ali, naquele momento, quando eu, alto e bom som, pedi ao Sr. Álvaro:

- Por favor, “mi” passa o “porrrrco”...


Ele me serviu o delicioso leitão e eu passei a ouvir, do Jairo e do Cornélio, todos os dias e todos os momentos: “Mi passa o porrrco”...


Naquela época não sabia que me tornaria advogado, nem que freqüentaria as mais belas e finas casas de comida de nosso país e do exterior, mas com certeza sempre tive a vontade de servir bem, a tantos quantos com quem convivo.


É o que procuro fazer, espero que a televisão sirva o otimismo, com a gentileza dos garçons e o denodo dos advogados.


Viva o dia 11 de agosto.




Rio, 11 de agosto de 2009.
Romeu Oliveira Gurgel.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Pequena e altiva, com toda pujança, está Itabirito...

Procure-me mesmo que não precise de mim

Há alguns anos passados, assisti a uma conferência no complexo penitenciária da rua Frei Caneca, deliciando-me com a sabedoria bem transmitida com didática esmerada e de bom humor pelo ilustre conterrâneo Alyrio Cavalieri.
Ao final, o conferencista, então Juiz de Direito de uma das Varas Criminais da Capital, agradeceu a presença de todos e pediu, com aquela dicção extraordinária, de clareza sonora esfuziante, uma carona, assim, mais ou menos:
- Como é hora de trabalho no fórum e para lá devo me dirigir, gostaria que se, entre os senhores houver alguém que seja mineiro de Itabirito e esteja de carro, me concedesse o privilégio de uma carona...
É óbvio que eu era o único mineiro de Itabirito presente e o privilégio do convite me deixou tão contente que, no afã de cumprir melhor meu dever de motorista convocado, acabei por pegar o túnel Santa Bárbara e forçar o neo juiz a uma pequena tournée por Laranjeiras, Botafogo, Flamengo e Glória, antes de chegar ao Castelo e deixá-lo no Palácio da Justiça.
Conversamos um pouco e matamos a saudade, ocasião em que ele me confessou que, embora passando todos os dias pela porta do edifício onde morava seu irmão, às vezes ficava meses sem vê-lo.
Ensinou-me uma grande lição:
- Romeu, procure as pessoas sempre que precisar delas, pois, na cidade grande, é o jeito para nos vermos.
Constatei esta verdade, hoje, com a ligação de meu filho Cláudio, de quem, confesso, estou morrendo de saudades e já não o vejo há um bom tempo.
Ele me fez uma pergunta técnica jurídica que tive o prazer de responder, mas me deu uma vontade grande de dizer-lhe, “Olha, Filhão, só lhe respondo pessoalmente.”
Por que corremos tanto?  Eu mesmo, quase todos os sábados passo próximo da casa deste meu filho cerca de duzentos metros e nunca paro para um abraço.
Viajei no tempo e no espaço.
Cheguei à minha adolescência e me vi na Barbearia do “Seu” Vicente Gurgel a observar o comportamento das pessoas daquela querida cidade natal.
O cidadão chegava, cumprimentava, era convidado a assentar-se e aceitava o convite.  Iniciava, assim, uma prosa que demorava bastante tempo, às vezes uma hora. O “Seu” Vicente oferecia café, falava das novidades, do circo, da política e o conviva discutia, com fala mansa e sem pressa.
Lá pelas tantas, o “Seu” Vicente perguntava: - E, então, “Seu” Zeca, vai fazer a barba?
A resposta é que me surpreendia:
- Não, “Seu” Vicente, hoje não, porque ‘tou com um pouco de pressa... amanhã eu “vorto” com mais “carma”...

A procuração

Merece outra crônica, mas a história é tão parecida que sigo, proseando, com saudade de Itabirito, hoje não tão calma, assim.
Há alguns atrás, fui exercer minha profissão no fórum de lá, em assunto de interesse da minha família.
O Tabelião de minha infância, o Tupy Costa Coelho, já era falecido, mas sucedia-o um filho seu, meu colega.
Fui vê-lo.
No cartório, sentado, olhos baixos no livro de escrituras, nem notou minha presença.
Chegou um cidadão, fazendeiro humilde.
- ´tarde, “seu” moço...
- ´tarde, que qui manda, sô?
- vim aqui pru modi o sinhô fazê uma procuração pro INPS
- é p’ra recebê a pensão di sua mãe?
- é, sim sinhô, pois ela ta velhinha e num pode vim ao Banco.
- Olha, essa semana, tou muito ocupado com uma escritura, mas o sinhô vem aqui na terça da semana que vem que a gente combina pra fazê na outra, ta bem?

(Em frente ao meu escritório, aqui no Rio, um cartório faz, em média, uma procuração para cada quinze minutos do expediente.)

Romeu Oliveira Gurgel,
Copacabana, 28 de julho de 2011.

terça-feira, 19 de julho de 2011

O ÓBVIO, ORA O ÓBVIO!

O óbvio, ora o óbvio!
 Para se viver, sem sofrer, às vezes temos que desconhecer o óbvio ou fingir que não existe.
A hilária figura do “Seu” Saraiva vivida por Francisco Milani na televisão é a mais expressiva crítica às perguntas imbecis de tantos que não pensam antes de falar.
Outro dia, fui ao Shopping Rio Sul para comprar um presente de aniversário para minha netinha e fui encontrar uma loja de brinquedos ao lado da Livraria Saraiva.
Perguntei ao atendente se tinha o “namorado da Barbie que fala”.
- O Ken Carson???
Tive vontade de responder que o namorado da Barbie era a Mulher Maravilha, mas me contive e respondi afirmativamente.
Ao ver o boneco,  pedi para testar e ele me perguntou:
- Será que ele fala?
Mais uma vez tive que me contar, pois se o brinquedo era “o namorado da Barbie que fala” não podia ser mudo.
Testei o brinquedo e disse que iria levá-lo para minha neta.
O que pensam que perguntou?
– O senhor vai comprar?
Sem preconceitos, nem homofobia, nada contra as loiras, fiz uma força enorme para não dizer ao rapaz que não iria comprar, mas que iria roubar o brinquedo. Contive-me e respondi que sim.
No caixa, enfim, uma pergunta razoável me surgiu, se eu ia pagar em dinheiro ou cartão. Respondi que em dinheiro, paguei e fui para o setor de empacotamento.
A jovem, linda e simpática, verificou a nota fiscal e, com um sorriso encantador, perguntou:
- É para presente?
Desculpem, amigos, mas não consegui agüentar mais e, como não podia dar um ataque cômico como o do Saraiva, respondi com um largo sorriso, tentando imitá-la:
- Não. Pode tirar da caixa, vou sentar-me aqui no chão e brincar... tem algum outro velho de setenta anos por aí que também goste de brincar com boneco?

(‘Tá calminho, agora? Agora ‘tou...)
Romeu Oliveira Gurgel,
Copacabana, 19 de julho de 2011.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Envelhecido por 152 anos

Aprecio um bom uísque, não importa se escrito whisky ou whiskey, mas dou preferência aos "highlanders" de doze ou mais anos.
Colecionador, sei da história (ou estória, não sei) do velho conhecido como Parr que teria vivido 152 anos, a quem se atribui o sabor do "Old Parr".
Numa roda de amigos, presente um jovem que queria demonstrar seus conhecimentos, ouvia sobre a cor dos rótulos, identificadores da idade, como no caso da marca jovem (cerca de 100 anos) John Walker, cujas cores red, black, green, gold e blue identificam o envelhecimento por 8 anos (vermelho), 12 (preto), 15 (verde), 18 (dourado) e 25 (azul), respectivamente.
Fumando desajeitadamente o charuto que empunhava, entrou na conversa, querendo abafar:
- Ja bebi Ballantine's de 30 e Royal Salute de 21, mas o mais velho que tomei foi um Old Parr de 152 anos.
Silêncio total na sala.
Apreciadores de uísque, às vezes, relevam ...
Mas o velho Parr deve ter remexido seus centenários ossos no caixão.

DESABAFO...

Ouvi no décimo andar do Tribunal de Justiça, de um advogado jovem, frase que me estarreceu:
- "Não quero a justiça dos Desembargadores, quero que eles apenas cumpram a lei."
Se tivesse ouvido isso num  botequim, ou numa roda de esquina, talvez não me importasse.
Ocorre que estávamos, o advogado jovem, eu e muitos outros, aguardando o início de uma sessão de julgamento do Colendo Conselho de Magistratura.
Não dei continuidade à conversa, mas fiquei perplexo.
Então a Justiça dos mais altos julgadores do nosso Tribunal Estadual não é o cumprimento da lei?
Fiquei a meditar.
Então é este o entendimento de um jovem advogado?  
Claro que o que se pede é o cumprimento da lei que deveria estar de mãos dadas com a justiça, confundindo-se uma com a outra.
No parecer expresso, entretando, ficou claramente demonstrado que a justiça a que se referia deveria ser escrita entre aspas, pois se afasta da lei.
Os interlocutores continuaram contando casos e casos, até que soou a campainha e a sessão teve início.
Que se cumpra a lei, pensei, mas que se faça justiça.
Estarei eu, velho demais?

sexta-feira, 8 de julho de 2011

CONCEÇÃO DE IBITIPOCA, onde fica?


IBITIPOCA

Pela primeira vez, vi o nome
Conceição de Ibitipoca.
Embora, entre mineiros some,
onde fica isso, pipoca?

Vi todas as fotos, menina.
Prestei muita atenção.
Só descobri ser de Minas,
ao ler a palavra "pião"... rsrsrs

Se alguém achava estranho,
de Itabirito eu ser e nascer,
com certeza, vai adorar, um banho
em Ibitipoca rever.


Bjs. (observe que nenhum cartaz tem o MG de que os mineiros gostam de colocar nas placas, mas peão é peão em qualquer lugar, menos em Minas, onde é "pião" sô... e dus bão....)

(Escrevi hoje este “scrap” para minha querida amiga Adriana Louro)


terça-feira, 5 de julho de 2011

Adianta chegar cedo?

Corri para o trabalho,
enfrentei trânsito e frio.
Cheguei cedo, na mesa,
processos, embaralho.

Ligo o computador.
Não liga, que galho.
Chamo o consertador,
não chegou no trabalho.

Rascunho a mão,
com carinho e
chamo, mancinho,
o boy, ou sacristão.

Não chegou, também no labor,
nem a secretária chegou,
nem o homem do computador,
ninguém, ninguém chegou.

Ah, o computador ligou,
enfim, posso trabalhar,
começo a digitar e
puff ... saiu do ar.

Muito frio, no Rio.
No rio, também é frio.
Menos, obvio, no estio.
Por ora, faz frio no Rio.

Não adianta cedo chegar,
pois se quiser trabalhar,
pessoas vão atrapalhar.
Melhor em casa ficar...

domingo, 3 de julho de 2011

SUSTENTAR UM RECURSO NO TRIBUNAL

Sobre este assunto, há muito que falar, muito para contar.
Semana passada, perante o Conselho de Magistratura, sustentei uma apelação contra sentença monocrática do Juízo da Vara de Registros Públicos.
Após minha fala, um ilustre Desembargador pediu vista do processo.

Assim, não se trata de comentar o resultado, mas de remontar épocas distantes, quando iniciava no exercício da advocacia.

Fui sustentar um habeas corpus para trancar uma ação penal, no Tribunal da Praça João Mendes, em São Paulo.
Era a primeira vez.
Quando acessei o prédio histórico, já estava suficientemente nervoso, pois sabia que se não fosse feliz, praticamnte já estaria meu cliente condenado.
Ao ver o luxo e a beleza da construção, dos móveis, estava bastante estarrecido, quase que abobalhado.
Pisei um enorme e fofo tapete vermelho para chegar ao local.
Sentei-me, próximo da primeira fila, para facilitar meu acesso.
Quando foi anunciada minha fala, levantei-me e, confesso, quase me sentei de novo, tão grande era o tremor de minhas pernas.
Consegui falar, não sei como e, não sei como, a ordem foi deferida por unanimidade.
Graças a Deus!

Outra feita, fiz minha primeira sustentação oral no S.T.J. e comecei assim: Senhores Ministros, venho a Brasília pela primeira vez e, ao ver a magnitude desta Casa, sinto-me como meu ilustre conterrâneo que tudo aqui começou, o querido Presidente Juscelino Kubtscheck de Oliveira, quando vislumbrou todo este planato.
Era época do Governo Militar e J.K. estava no exílio.
Consegui meu intento, quanto ao processo, e, após o expediente, um abraço comovido de um ministro mineiro que me disse ansiar pelo retorno do direito e da liberdade.

Mas há também aquela história que se passou num desses nossos tribunais e que me reservo não dizer qual.
Aberta a sessão, apregoado o primeiro processo, dois desembargadores, rostos avermelhados pelo vinho que havia saboreado no almoço, iniciaram uma discussão acadêmica acalorada sobre determinado artigo do código processual.
- Você Excelência sabe ler? Não? Pois leio eu...o artigo é claro e é assim...
O Presidente, visivelmente irritado, suspendeu o julgamento, pediu a evacuação da sala, para um recesso de cinco minutos.

Não sei o que se seguiu no Tribunal, mas no retorno dos trabalhos, os desembargadores que discutiam não se encontravam presentes. 
Devem ter ido curtir a ressaca em tribunal mais apropriado, como o botequim da esquina...


terça-feira, 28 de junho de 2011

MUITO FRIO NO RIO

Não é pilhéria.
É verdade.
Foi a empregada quem disse,
foi o ascensorista,
foi o taxista.

Será que está frio em Itabirito?
Será que há friagem no espírito?
Há tristeza na alma,
há risos de fingimento.

Nada existe, sem tormento.
Mas, afianço-lhe, juiz,
não mais aguento,
tanto julgado infeliz.


Mas, há muito frio, no Rio.
Há muitos mortos no frio,
há geada, há pelada, há marmelada,
há empada e, na festa, cocada.

Pelada que é futebol
Marmelada que é embuste,
Frio no rio, com sol.






sexta-feira, 24 de junho de 2011

POR TRÁS DAS GRADES ou A VERGONHA DE SER ADVOGADO

POR TRÁS DAS GRADES
ou
A VERGONHA DE SER ADVOGADO

É comum, para mim, ouvir queixa da Justiça, da morosidade, da falta dela, sempre que o meu anel de grau identifica minha profissão ao motorista que me conduz ao Tribunal.
O taxista, gente como toda gente desta grande metrópole, tem aquela história dos juros altos, da pensão alimentícia, do despejo por falta de pagamento, da mulher que diz ter sido agredida e, invocando a famigerada Lei Maria da Penha, consegue o afastamento do marido trabalhador do lar.
Por ter o hábito de não andar no banco de trás, dialogo com todos, sempre procurando dar uma orientação sadia e correta, para que a imagem seja melhorada e que a deusa Themis não caia daquele enorme pedestal lá no Palácia da Justiça.
A história que ouvi, ontem, entretanto, deixou-me com vergonha de ser advogado.
Disse aquele senhor, de mais de sessenta anos, semblante triste, olhos sem brilho:
- Doutor, sou pai feliz de cinco filhos, que fiz estudarem e, todos, graças a Deus, terminaram seus cursos universitários.
Todos são trabalhadores, bem sucedidos, casados e até tenho quatro netos, pois apenas um de meus filhos ainda não é papai.
Meu caçula, Doutor, nasceu e foi criado no mesmo lugar onde ainda tem seu domicílio, casado há menos de dez anos e com uma linda filhinha, minha neta, de sete anos.  Sua esposa, minha nora, é trabalhadora também e exerce função importante numa rede de lojas.  Meu filho, Doutor, é um homem bom, carinhoso, dedicado à família, pai amoroso, daqueles que idolatra a filha, levando-a, desde pequenina, à creche, depois à escola e ansiando por ir buscá-la de volta, naqueles quinze dias que fica em terra.  Ah, não disse para o Senhor que ele trabalha numa plataforma de petróleo. Disse?
Pois, Doutor, há um ano e meio atrás, meu filho estava num churrasco de aniversário do pai de um seu amigo, de onde só saiu por volta das vinte horas.  Por volta das dezenove, nas redondezas de onde mora, ocorreu uma tentativa de homicídio contra um bandido, sendo que no tiroteio um adolescente curioso recebeu bala perdida e morreu.
O Senhor nem imagina, Doutor, a vítima sobrevivente, um estelionatário com não sei quantos crimes, acho que mais de quinze, foi à Delegacia e disse para a autoridade que viu quem tentou matá-lo.  Sabe quem, Doutor?  Meu filho.
Pois é, daí começou uma série grande de mentiras e injustiça.  Meu filho foi preso, mais de um mês depois, sob o pretenso fundamento de que fora o autor da tentativa do homicídio e da morte acidental do adolescente.  Ele e mais um outro cidadão, ambos denunciados pela vítima sobrevivente que contou uma mentira horrorosa contra meu filho, dizendo que tinha inveja dele por ter namorado a minha nora.   Nunca aconteceu e o mesmo cidadão, se é que se pode chamar aquele indivíduo de cidadão, desmentiu a própria estória em Juízo.
Doutor, aprendi um monte de nomes de prisões, tem provisória, tem preventiva e nem sei mais o que.
Aprendi que a Constituição garante a um cidadão de bem defender-se de uma acusação formal em liberdade.
Mas não deram esse direito ao meu filho que sofre, até agora, com a mentira contada contra ele. 
Doutor, eu quero que meu filho seja julgado e, se for condenado, pelo júri, que ele cumpra a prisão, mas, Doutor, por que não dão a ele o direito de responder ao processo em liberdade?  Por favor, Doutor, me explique isso, por que?
Anotei o nome do filho do motorista, seu telefone e, como chegava ao Tribunal, prometi ligar-lhe, mais tarde, assim que pudesse examinar o processo, mesmo superficialmente, através do sítio do Tribunal na Internet.
Não sou criminalista, ramo do direito que abandonei logo nos primeiros anos do exercício da profissão, em que pese a tenha iniciado com um dos maiores juristas de todos os tempos, honra dos tribunais de nosso Estado.
A tristeza daquele pai, a certeza que ele me transmitiu quanto à seriedade de seu filho e da sua educação, fez-me interessar pelo caso.
Passei as páginas da Internet com avidez e não achei, no resumo que o Tribunal apresenta, razão do aprisionamento.
Não me contive.
Fui à Comarca do processo penal e passei toda uma tarde, folheando quase mil páginas de um processo crime.
O fato se deu no Natal de 2009 e, até agora, o Juízo prevento não exerceu possível retratação quanto à pronúncia e não fez subir ao Tribunal de Justiça o recurso em sentido estrito que foi interposto.
O crime tentado houve, o homicídio do adolescente que se expôs, curioso, também.  Não há sequer uma única afirmação das vinte e três testemunhas ouvidas em Juízo quanto à autoria do jovem preso, senão a esdrúxula afirmação de seu acusador que assim descreveu:
“Vi que foi ele, a cerca de cinqüenta metros, quando saltou da motocicleta e passou a atirar em minha direção. Reconheci seu colar de ouro e, quando tropecei e caí, pensando que estava morto, vi que ele levantou o capacete de motoqueiro e foi embora.”
Qual o homicida que não dá o último tiro para se certificar da morte?  Qual o bandido que se identifica mostrando o rosto para alguém caído ao chão, vítima de um tiro seu?
Pois é, o Juízo acreditou nesta estória e o jovem pai de família está preso, segregado da sociedade e por trás das grades, longe dos beijos de sua filhinha que pensa que o papai está trabalhando num mar muito longe...
Estou sentindo vergonha de ser advogado, por não ver a prevalência do Direito e prevalecer a injustiça.
Romeu Oliveira Gurgel,
Copacabana, 24 de junho de 2011.