Há três anos,
neste dia dezessete de janeiro, realizou-se a comemoração do aniversário de meu
nascimento, num churrasco com direito a bolo e velinhas, uísque, cerveja e
vinho, ocasião em que distribuí para meus amigos uma gravação de imagem e som que
intitulei “Romeu Oliveira Gurgel fazendo 69” filmada e editada pela minha
querida Chellimi Cage, com textos meus, quase todos improvisados e sob minha
direção.
Era grande
minha expectativa pela festa, como sempre, o dia em que me sentia mais feliz em
todo o ano, pois não tenho dúvidas de afirmar que adoro ficar mais velho,
receber abraços e beijos e ter gente ao meu lado.
Já até pensava
na próxima festa.
Entretanto, no
Natal do ano anterior, poucos dias antes da minha festa, um triste fato
envolveu um de meus filhos e o ambiente da festa foi tenso e não contou com a
presença de todos, com justificativas por mim aceitas, sem grande credulidade.
Temia-se que
ocorresse uma vingança contra meu caçula, injustamente acusado por conhecido
estelionatário de tê-lo tentado assassinar.
A festa correu
normal e feliz.
Dias depois,
verdadeira catástrofe abalou nossa família, com a decretação e efetivação de
sua prisão injusta.
Minha vida se
transformou no maior martírio que jamais imaginara pudesse passar e, durante
dois anos, dois meses e dois dias peregrinei por juízos e tribunais, de todas
as instâncias. Visitei presídios, os mais variados, eis que o chamado sistema
prisional de nosso país e estado é um complexo de incoerências e tristezas,
sofrimentos e privilégios, coisas que nem parecem ser verdadeiras. Recorri a
tantas pessoas quantas pude, sem sucesso.
Contei com
amigos. Alguns me suportaram. Alguns me confortaram. Alguns me evitaram. Alguns
me esqueceram, como se tivesse para eles morrido. Somei aqueles que entenderam
meu sofrimento e os enalteço, sempre, quer pela dignidade, quer pela
compreensão e solidariedade.
Não comemorei
70 anos. Não comemorei 71 anos. Recebi os muitos abraços, mas chorava por
dentro, lembrando a visita que fazia pela manhã ao meu “menino” tão frágil e
tão incapaz como quanto lhe trocava as fraldas. Sua ansiedade e sua esperança
estavam sempre nos seus olhos que eu evitava mirar, com medo de chorar, pois
sua confiança em mim e minha pequenez diante do “sistema” eram o abismo que não
me deixava dormir e quando conseguia, os reduzidos minutos se constituíam de
terríveis pesadelos.
Ano passado,
em abril, acabou a terrível falsa e chegou a liberdade esperada.
Tudo que
queria para este ano, quando seis vezes doze, meia dúzia de doze ou meia dúzia
de dúzias de anos atinjo, era estar ao lado dos meus três filhos homem, num
almoço dos quatro Gurgel e, à noite, reunir as duas filhas e toda a família,
com as mulheres de meus filhos que não são noras, mas filhas também, e os
maridos de minhas filhas, que não são genros, mas filhos também e meus
maravilhosos netos.
Pensei em
dividir a minha vida, até então, em seis dúzias, meia dúzia de dúzias ou de
doze anos, das quais as duas primeiras seriam minha infância e juventude, em
Itabirito, os demais anos aqui no Rio. A terceira engloba o período de meu
primeiro casamento. A quarta da segunda união. A quinta do último casamento e a
sexta o período atual.
Claro que a
divisão não é exata e nem mesmo pode ser tão bem definida, mas serve como um
comparativo, uma estratificação meramente simbólica.
Foi, então
que, na semana passada recebi uma ligação do mais velho, dizendo-se o primeiro
da lista do almoço e definindo a data como prioridade, escolhesse eu o local.
Cheio de alegria, usei dos frios meios modernos para convidar o segundo, que
disse que iria tentar remanejar alguns compromissos e falei com o mais novo,
com seu de acordo.
Ansiei até
ontem, imaginei quem mais gostaria de estar comigo nesse dia e hora e me senti
feliz de poder estar com meus pequenos grandes “Gurgel” até que outro
telefonema tudo cancelou, pelo perdimento da prioridade em razão do ofício e de
viagem de trabalho.
Há mais de
cinco anos que não consigo reunir meus filhos e, sabe Deus, talvez jamais o
faça.
Castigo, com
certeza, por atos que talvez tenha praticado no passado e que o Senhor da
Justiça me faz pagar.
Esta página,
entretanto, não é de tristeza, nem de inconformismo. Esta página é meu pedido
de perdão a Deus e aos meus filhos por não ter sido melhor, nem mais presente,
nem mais próximo e para dizer-lhes que não há dádiva maior para mim do que
saber que estão livres e a viver suas próprias vidas.
Feliz meia
dúzia de dúzias para mim, graças a Deus!
Copacabana,
17 de janeiro de 2013.
Romeu
Oliveira Gurgel