Powered By Blogger

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Despachar ou resolver?

Aos setenta anos, quarenta de intenso exercício da advocacia, vejo-me diante de um dilema que, possivelmente, não passa pela maioria dos operadores do direito: Despachar ou Resolver?
É claro que o escopo de qualquer processo é a solução de um litígio, logo, o importante para as partes é "resolver".
Entretanto, como resolver sem "despachar"?
No meu modesto entendimento, para resolver sem despachar só se não houver processo, se não houver a prestação jurisdicional, se não houver o litígio.
Aí me vem a lembrança de minha primeira ação.
Era estagiário e, como tal, com o petitório de uma ação de alimentos assinado em conjunto com a minha mestre do Escritório Modelo, dirigi-me ao juiz de plantão de uma comarca do interior do Estado do Rio de Janeiro.
Estava cheio de leis em minha cabeça e acreditava que a lei superava.
Sua Excelência me atendeu e, talvez por ver brilho em meus olhos, me ouviu e até me escutou.
Pedi-lhe que arbitrasse os alimentos e determinasse a expedição de ofício ao empregador do alimentante, crendo eu que esse procedimento tinha amparo na Lei de Alimentos que dizia, mais ou menos assim: O Juiz conhecerá diretamente do pedido e arbitrará os alimentos...
O Juiz, com alguma paciência que hoje mais não vejo, me disse que eu deveria distribuir a ação e que a lei seria cumprida a partir daí.
Não me conformei, pedi, implorei, justifiquei com a lei, informando que o assunto do pleito era de vida ou morte para indefesas crianças que, não podendo a mãe sustentá-las, haveria que receber do pai, homem rico, o dinheiro para tanto.
Ainda pacientemente, coisa que não mais se vê nos dias de hoje, o bom Juiz convenceu com argumentos de que, por convenção, nenhum juiz de plantão decretaria os alimentos naquela comarca, mas que, distribuída a ação, o fato imediatamente ocorreria, na forma da lei.
Fui ao distribuidor e lá, naqueles tempos, a distribuição só ocorria uma vez por dia e, não mais naquele. Tive que deixar a petição para voltar no dia seguinte.
Quando cheguei, vi que minha petição tinha sido distribuída, com um "despacho" e que se achava no gabinete de um juiz, de quem consegui um segundo "despacho" (risos) "Ao M.P. Após, voltem".
Quando voltaram, novo "despacho", desta vez, sim, decretando os alimentos provisionais e determinando expedição de ofícios e designando audiência... ufa!!!
Quase trinta dias correndo de lá para cá, mas com sucesso, pensava.
Com o ofício na mão (outra luta, porque depois de datilografado não tinha Juiz para assinar), fui ao empregador do Réu e lá, para minha surpresa, verifiquei que o "homem rico" que ostentava carros importados de quase um milhão, ganhava apenas um salário mínimo e que os dez por cento destinados ao sustento de três crianças não davam para comprar nem um litro de leite por semana, por semana sim.

A história é verdadeira, com as omissões do segredo de justiça, mas, com todo o respeito, quem tinha razão era o mineiro Ovídio de Abreu que dizia "NÃO BASTA DESPACHAR O PAPEL É PRECISO RESOLVER O ASSUNTO."
(Ovídio Xavier de Abreu (Pará de Minas, 28 de setembro de 1898Rio de Janeiro, 13 de dezembro de 1990) foi um político brasileiro.
Foi presidente do Departamento Nacional do Café (1944-1946), do Banco do Brasil (1949-1950) e deputado federal por Minas Gerais (1951-1967).