Aos setenta anos, quarenta de intenso exercício da advocacia, vejo-me diante de um dilema que, possivelmente, não passa pela maioria dos operadores do direito: Despachar ou Resolver?
É claro que o escopo de qualquer processo é a solução de um litígio, logo, o importante para as partes é "resolver".
Entretanto, como resolver sem "despachar"?
No meu modesto entendimento, para resolver sem despachar só se não houver processo, se não houver a prestação jurisdicional, se não houver o litígio.
Aí me vem a lembrança de minha primeira ação.
Era estagiário e, como tal, com o petitório de uma ação de alimentos assinado em conjunto com a minha mestre do Escritório Modelo, dirigi-me ao juiz de plantão de uma comarca do interior do Estado do Rio de Janeiro.
Estava cheio de leis em minha cabeça e acreditava que a lei superava.
Sua Excelência me atendeu e, talvez por ver brilho em meus olhos, me ouviu e até me escutou.
Pedi-lhe que arbitrasse os alimentos e determinasse a expedição de ofício ao empregador do alimentante, crendo eu que esse procedimento tinha amparo na Lei de Alimentos que dizia, mais ou menos assim: O Juiz conhecerá diretamente do pedido e arbitrará os alimentos...
O Juiz, com alguma paciência que hoje mais não vejo, me disse que eu deveria distribuir a ação e que a lei seria cumprida a partir daí.
Não me conformei, pedi, implorei, justifiquei com a lei, informando que o assunto do pleito era de vida ou morte para indefesas crianças que, não podendo a mãe sustentá-las, haveria que receber do pai, homem rico, o dinheiro para tanto.
Ainda pacientemente, coisa que não mais se vê nos dias de hoje, o bom Juiz convenceu com argumentos de que, por convenção, nenhum juiz de plantão decretaria os alimentos naquela comarca, mas que, distribuída a ação, o fato imediatamente ocorreria, na forma da lei.
Fui ao distribuidor e lá, naqueles tempos, a distribuição só ocorria uma vez por dia e, não mais naquele. Tive que deixar a petição para voltar no dia seguinte.
Quando cheguei, vi que minha petição tinha sido distribuída, com um "despacho" e que se achava no gabinete de um juiz, de quem consegui um segundo "despacho" (risos) "Ao M.P. Após, voltem".
Quando voltaram, novo "despacho", desta vez, sim, decretando os alimentos provisionais e determinando expedição de ofícios e designando audiência... ufa!!!
Quase trinta dias correndo de lá para cá, mas com sucesso, pensava.
Com o ofício na mão (outra luta, porque depois de datilografado não tinha Juiz para assinar), fui ao empregador do Réu e lá, para minha surpresa, verifiquei que o "homem rico" que ostentava carros importados de quase um milhão, ganhava apenas um salário mínimo e que os dez por cento destinados ao sustento de três crianças não davam para comprar nem um litro de leite por semana, por semana sim.
A história é verdadeira, com as omissões do segredo de justiça, mas, com todo o respeito, quem tinha razão era o mineiro Ovídio de Abreu que dizia "NÃO BASTA DESPACHAR O PAPEL É PRECISO RESOLVER O ASSUNTO."
(Ovídio Xavier de Abreu (Pará de Minas, 28 de setembro de 1898 — Rio de Janeiro, 13 de dezembro de 1990) foi um político brasileiro.
Foi presidente do Departamento Nacional do Café (1944-1946), do Banco do Brasil (1949-1950) e deputado federal por Minas Gerais (1951-1967).
Querido amigo Dr Romeu,
ResponderExcluirAinda alcancei estes tempos trabalhosos e sacrificantes tanto para o advogado como, principalmente, para a parte. Mas para resolver tem que despachar! Nestes casos, mesmo que a lei que determinasse , na prática o que víamos era todo este caminho sufocante . Atualmente esta área teve avanços, felizmente.
Beijos com carinho.