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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O DIA-A-DIA NA CIDADE

Levantara mal humorado.
Na véspera, o porteiro do prédio havia avisado, em áspero tom, talvez por já estar cansado de intermináveis explicações:  - “Amanhã só haverá água às onze horas”.
Bolas! Tinha que chegar às oito no escritório.
O bonito sol pareceu-lhe uma ironia da natureza. E o mar – doce mas incompreensível visão – fez-lhe pensar em modernos processos de desalização de suas águas.  E onde anda a ciência que não se preocupa senão com mísseis espaciais?
O exemplar do Petit Prince, jogado como se não fossem tão sábias as lições de Exupéry, lembrou-lhe maldizer vaidosos governantes que se esqueciam de dar-lhe água. Água, sim.  Simples H2O que tanto repetia o professor de química, a mesma água que o exigente mestre de língua pátria não cansava de repetir, frisando “com acento agudo no primeiro “a” ´por causa ... ” não sabia mais de que.
Fez-se à rua.  Jactou-se no primeiro ônibus superlotado que por ele passou e não se conteve em extravasar a ira que lhe invadia o espírito ao tatear a escova de dentes no bolso do paletó.
Com ela, papel amarrotado, era lembrete do recado que lhe transmitira sua esposa, tão meiga (e agora se lembrava, nem a beijara ao sair...)  O papel dizia: “O Sr. Menezes espera-o às oito. Assunto urgente”. Deveria ser sobre a compra do terreno.  Jogou fora o papel.  Afinal, não adiantava mais.  Antes das nove não chegaria, nem se fosse voando. Com o tráfico engarrafado como estava só mesmo avião resolveria.  Como estava longe o escritório.
Mas o aniversário do filhinho estava perto.  Quem sabe se lhe poderia comprar o presente no horário de almoço.  Se fechasse o negócio com o sr. Menezes...
E que semana tivera.  Dois ou três dias viajando.  Depois a doença do irmão.  Ainda bem que fora só o susto.  Já estava bom.  A semana fora perdida, mas hoje... ah... hoje...
O ônibus parou, fim de linha.  Saltou.  Ou melhor, obrigaram-no a saltar. A empurrões.  Pisou no pé da senhora em frente e a reação veio logo.  Como pode, deuses, falar assim uma senhora?  Tropeçou numa desculpa odiosa e insentida e rumou, não se sabe como, para o elevador do prédio da esquina.  Ah... enfim o escritório!
Será que ainda o aguardava o sr. Menezes.  Que lhe diria?  Melhor inventar uma mentira expressiva.  Por exemplo, que furara o pneu do ônibus.  Por que faltara água? Quanto tempo perdido indo à casa do amigo para o banho matinal...
Atravessou, penteando o cabelo e acertando o nó da gravata, o corredor imenso e, fazendo o melhor sorriso, estendeu à secretária o cartão de visita: - “Queira anunciar-me.  Tinha hora marcada para as oito.  Diga ao sr. Menezes que a condução...”
- “Desculpe, cavalheiro. O sr. Menezes só virá depois das onze. Há falta d’água na cidade, o sr. sabe, não é?

Romeu Oliveira Gurgel,
publicado no jornal “O Bancantil”,
ano 6, número 59, de julho e agosto de 1963.

Hoje comemoro seu aniversário, Carlinhos!


José Carlos Barros não era meu irmão de sangue.
Se vivo fosse, estaria aniversariando e, por certo, estaríamos comemorando com a sua bebida predileta, a loura gelada.
Dificilmente alguém poderia ter um irmão como o Carlinhos, com tanta lealdade e tanta verdade.
Os fins de semana, em todos os tempos desde que o conheci, incluía sempre um bate-papo com ele (e algumas cervejas).
Nos finais de tarde, quando estava construindo suas bem elaboradas obras (casas, casinhas e casarões) por perto, era comum eu atender uma ligação telefônica, mais ou menos assim:
- Doutor, daqui a meia hora, estou passando pela sua casa para aquela cervejinha.
Eu era casado com a irmã dele, mas nunca o considerei cunhado.  Sempre foi um irmão, de fato e de direito, para mim. Parece estranho que isso acontecesse, já que é comum a afirmação de que “cunhado não é parente” no sentido jocoso.
Duas histórias fazem clara sua personalidade:

Terminado um contrato de trabalho, com um bom dinheiro no bolso, Carlinhos resolveu viajar para a terra natal, como costumeiramente fazem os meus amigos nordestinos: vão gastar lá, o dinheiro que ganham aqui.
Calculei que despenderia todo seu capital e voltaria sem um níquel. Com tal pensamento, pedi-lhe emprestado uma quarta parte dos seus ganhos, alegando uma pretensa necessidade financeira.
Não titubeou e, no ato, entregou-me o dinheiro que guardei até a sua volta.
Ao chegar, sem um centavo, é claro, muito sem graça, me perguntou se podia arranjar-lhe algum dinheiro, quando lhe devolvi o empréstimo.  Ele, rindo, disse: - Eu sabia que você não precisava, só estava tentando evitar que eu gastasse tudo no nordeste, não é?

De outra feita, no exato dia em que sua irmã me deixou, ele me ligou.
- Doutor, você vai estar em casa à noite?
Era claro que estaria. Fiquei a pensar que ele iria me censurar pela separação ou qual motivo o faria vir me ver após o rompimento do liame familiar.
Chegou perguntando se tinha cerveja, foi ao bar da esquina buscar e pediu-me para passar a noite no quarto de hóspedes, pois tinha que estar muito cedo no trabalho.
Bebemos, conversamos e, enquanto ele não se certificou de que eu estava suportando bem a separação conjugal, não descansou.
Muito tempo mais tarde, confessou-me que temia que eu tomasse alguma atitude impensada atentando, talvez, contra minha própria vida.
Não é este um irmão verdadeiro?
Feliz aniversário, Carlinhos.  Abração, “brother”...

Romeu Oliveira Gurgel,
Copacabana, 19 de agosto de 2011.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Hora e meia ou Dia dos Pais.


Por e-mail, recebo convite para almoçar no Porção Rios, quinta-feira, treze e trinta, para comemorar, por antecipação, o Dia dos Pais. 
Era já entendimento entre meus dois filhos mais velhos, para repetir momento íntimo igualmente realizado no ano passado.
Alegrei-me, aceitei e fiquei antecipadamente feliz, mas ansioso.
Afinal, somos três homens ativos, envolvidos em negócios e ações, trabalhos e viagens, obrigações mil.
Como nossos compromissos são superiores aos nossos prazeres, como nossos deveres são maiores que nossos lazeres, de repente imaginei uma tarde tranqüila, serena, lenta, morna, amena.
Lembrei de manhãs de domingos, quando levava os dois belos meninos inteligentes para jogar naquelas máquinas que antecederem os modernos equipamentos domiciliares e que só existiam em áreas comerciais e que pareciam esses caça-níqueis que a Polícia apreende hoje em dia.
Lembrei –me dos sorvetes, das revistas em quadrinhos, dos parques das praças públicas, dos lanches em “fast-foods” e nos rodízios de massas, de tantos passeios que, no final, deixavam quatro olhinhos cansados, mas brilhosos, como a dizer, vamos continuar, queremos mais.
Recordei-me da disputa pelo lugar ao meu lado, no carro.  Naqueles tempos crianças podiam viajar no banco da frente.  Lembrei-me de que, às vezes, parava o carro mais de uma vez para trocar os lugares, na tentativa de ser democrático, pois, justo, tenho a certeza de que nunca fui.
Para ser justo, seria preciso que abandonasse o volante e abraçasse ambos o tempo todo, repetindo o quando os amava e amo.

Acordei cedo, fui para o escritório, do escritório para a reunião no centro de processamento de dados, dali para o tribunal, do tribunal para o banco e ao conselho de magistratura, atendi várias ligações e, desesperado com o passar das horas, entrei num táxi.
- Estou chegando, filho, que bom que você já está ai.
O abraço aconteceu exatamente às treze e trinta horas e, nem mesmo nos sentávamos, chegou o terceiro membro indispensável ao evento: o trio Gurgel estava em reunião.
Nem cheguei a tomar metade da primeira dose de uísque e já estávamos nos dirigindo para a mesa reservada, no melhor lugar, com a melhor vista, com o melhor atendimento.
Os presentes cuidadosos, o vinho preferido, a cor certa da camisa, o cartão mensageiro, o escapulário para entregar ao Gurgel ausente.
As viagens futuras, as viagens passadas, os negócios, a família.
Nem se falou em futebol, mas em propostas de encontros futuros, quem sabe naquela feijoada beneficente.
O ágape maravilhoso, a sobremesa permissiva e...

O olhar no relógio, o pedido de desculpas, mas o trabalho e os compromissos continuam. Beijos.

Um dos filhos se vai, o outro consola-me oferecendo uma carona e minha imaginação egoísta faz pensar que o encontro se prolongaria.

Na portaria do meu prédio, parada rápida do veículo, a notícia de que não iria subir, o trânsito já estava complicado. Beijos.

No Dias dos Pais, hora e meia de felicidade com meus filhos.
Deus os abençoe.

Romeu Oliveira Gurgel.
Copacabana, 12 de agosto de 2011.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

O advogado, o garçon e a televisão, no dia onze de agosto.


Abri minha agenda e verifiquei que a televisão tem seu dia, juntamente com o advogado e o garçon, neste 11 de agosto.
Buscando a analogia, verifico que ad vocare é chamar para si, o que faz certo que o advogado chama para si a obrigação de resolver ou, pelo menos tentar, o problema de seu constituinte.
Isto é servir.
O garçon serve bebidas e refeições.
Isto é servir.
A televisão “dá de bandeja” as notícias, as diversões, as alegrias e tristezas.
Isto é servir.

Vem o adágio à mente:
“Quem não vive para servir, não serve para viver”.


Análogos, pois, entre si os homenageados do dia.


Agora, vamos a Itabirito, da década de `50, quando eu vivia o prazer e as loucuras do primeiro emprego “com carteira assinada” no então Banco da Lavoura de Minas Gerais, sob a presidência do José Bernardino Alves Júnior e a gerência do inesquecível e inimitável Jorge Morgan da Costa.
O contador era o Artur Vivas e, dentre os demais componentes do grupo de trabalho, figuras notáveis como o Wagner Benício de Gouveia, mais conhecido por BG, o Álvaro, os Professores Aureliano Barros Brandão e José Alves de Moura Sobrinho, o Otávio (Tavinho) Baeta, o Cornélio, o Jairo, os meus muito queridos João de Carvalho Souza e João Carlos da Silva Guimarães, responsáveis pela minha ida para o Banco Mercantil e por ser torcedor do Flamengo, mas isto é outra história.


Os funcionários se reuniam em comemorações, em jantares programados, quase sempre no “Esquina do Chope” que, a meu ver, deveria existir sempre, tanto quanto o “Bar Central” (saudades, muitas).


Eu era o mais novo da turma, com meus quatorze anos e cabelos fartos e encaracolados, dificilmente assentados, à custa de espuma de sabão, o que fez o Cornelio pensar que era “gumex” (ou “gomex”, não me lembro da grafia correta), produto alisador de cabelos. Inventou um apelido para mim que me irritava bastante (Gomeu Gumex).


Fui para o ágape, servidos abundantemente vários pratos, inclusive um apetitoso leitão à puruca.


Minha primeira mancada nesse exigente convívio social se deu ali, naquele momento, quando eu, alto e bom som, pedi ao Sr. Álvaro:

- Por favor, “mi” passa o “porrrrco”...


Ele me serviu o delicioso leitão e eu passei a ouvir, do Jairo e do Cornélio, todos os dias e todos os momentos: “Mi passa o porrrco”...


Naquela época não sabia que me tornaria advogado, nem que freqüentaria as mais belas e finas casas de comida de nosso país e do exterior, mas com certeza sempre tive a vontade de servir bem, a tantos quantos com quem convivo.


É o que procuro fazer, espero que a televisão sirva o otimismo, com a gentileza dos garçons e o denodo dos advogados.


Viva o dia 11 de agosto.




Rio, 11 de agosto de 2009.
Romeu Oliveira Gurgel.