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sábado, 22 de outubro de 2011

Alô, é de Itabirito, hoje é 5 de abril de 1954 ..



Há pouco tempo, deixava Copacabana para o Fórum da Comarca desta Capital do Rio de Janeiro, quando meu celular tocou e escutei uma voz conhecida.

- Dr. Romeu, é o Joel Santana, preciso de falar com você.
- Pois não, meu técnico de futebol preferido, quer que passe pela sua casa mais tarde?
- Não, Dr. Romeu, eu estou na Islândia, pois estamos competindo aqui.  O Bafana Bafana vai jogar amanhã...

Minha surpresa foi porque o som era da mais pura clareza, parecia que meu amigo estava aqui mesmo, no Rio. Procurei saber onde ficava a Islândia e descobri que era no topo do mundo, quase no Pólo Norte.

Viajei pelo tempo e pelo espaço e voltei à Itabirito da década de 50 e lembrei das minhas experiências telefônicas de então.   A nossa querida cidade tinha o total de 99 números de telefone, incluindo-se os de serviço.  O Banco da Lavoura era número 12 e para chamar a telefonista para pedir uma ligação era 01. Falar de número para número já era possível, de forma que se podia ligar para o Hospital São Vicente de Paula, ligando 11, número que o querido Beijinho dizia que era para facilitar aos doentes, bastava gemer ummmm, ummm e a ligação se faria.

Pois naquela época as vozes da gente viajavam através de cabos que eram estendidos de Itabirito a Belo Horizonte, pelas montanhas afora e, de lá até as outras cidades, como o Rio de Janeiro.  Na linguagem das telefonistas de então (saudades da Nega, da Maria, da Iara...) era preciso ter “par” disponível para se completar uma ligação.  Vale dizer que par era de fios, de cabos, ou seja, precisava que dois fios fossem ocupados pelos impulsos elétricos de Itabirito, fossem conectados com dois outros em Belo Horizonte que seguiam até o Rio.  Deu para entender?

Eu chegava no Banco bem cedinho, entrava pela porta principal de acesso, utilizando da chave que pegava com o Arthur Vivas, no apartamento em cima da Agência.  Quase sempre ele acordava quando eu tocava a campainha, pois passava pouco das seis da manhã.

Ele me dizia para pedir uma ligação para o Rio de Janeiro, pois havia que transmitir uma ordem de pagamento da Usina Queiroz Júnior...

- Alô, Nega?  Bom dia, é o Romeu do Banco da Lavoura, você pode pedir uma linha para o Rio de Janeiro?

Dava o número e perguntava a demora.  A resposta era de três a quatro horas, pois não havia “par” disponível.

Muitas vezes, o expediente do Banco terminava e lá pelas dezoito horas é que se completava a ligação telefônica, quando se transmitia a ordem de pagamento. Bem diferente da telefonia celular de hoje e dos saques direto via Internet, de hoje.
 
Fico a meditar, nas minhas imitações de Carlos Drumond de Andrade, sentado na beira da Praia, nos bancos de pedra da Avenida Atlântica que tenho que contar isso para meus netos, para que eles contem para os netos deles.

Era uma vez, naquele tempo, quando o vovô tinha 14 anos, a gente demorava para falar com uma pessoa, ao telefone, oito, nove e até doze horas (diga-se de passagem que, mesmo naquele tempo, com os quase seiscentos quilômetros através da BR-3 e as pistas de mão e contra-mão, sobremodo nas imediações sinuosas de Petrópolis, conseguia-se chegar a Itabirito, de carro, em cerca de oito horas).

- Alô, é da Filial do Rio?  Aqui é da Agência de Itabirito, quero transmitir uma ordem de pagamento, hoje é 5 de abril de 1954...

(Romeu Oliveira Gurgel,
Copacabana, 22 de outubro de 2011.)

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